4 motivos para os carros elétricos não decolarem no Brasil
17/04/2023 - 09:43h
No fim do século 19, carros elétricos já contavam com um bom mercado, em especial na Europa. Seu declínio ocorreu quando os motores à combustão interna passaram a ser substancialmente mais baratos, em especial pela invenção do sistema de produção, o Ford T, que custava em média um terço do preço dos carros elétricos.
Para isso, também contribuiu o fato do carro "tradicional" possuir algumas vantagens técnicas, em especial a autonomia, que se tornava cada dia mais importante.
Após a 2ª Guerra Mundial, com a escassez de combustível, Europa e Japão voltaram a investir em modelos elétricos, mas não foi até as crises do petróleo de 1973 e 1979 que o movimento ganhou tração. Finalmente, em 2008, em outro momento de crise mundial, o mundo acompanhou o lançamento do Roadster, modelo da Tesla com autonomia de 300 quilômetros e uma nova base tecnológica para as baterias.
A influência da Tesla no mercado de carros elétricosA febre dos carros elétricos se espalhou rapidamente devido ao excelente trabalho de marketing da Tesla, que alavancou dois sentimentos sociais potentes: a crescente preocupação com o meio ambiente, ressaltada a cada COP, e o estilo de vida "da Califórnia"; mais moderno, ecologicamente consciente e de empreendedores de sucesso. Ter um Tesla virou cool, um objeto de desejo.
Esse status de "vencedora" da Tesla levou a uma corrida tecnológica importante, com montadoras chinesas e europeias acelerando seus planos de investimento.
A China se tornou o mercado mais desenvolvido do mundo, em participação de elétricos (100% a bateria ou híbridos) sobre o total das vendas de automóveis, com 19% em 2022, vs 11% na Europa.
Razões para o investimento da China e da EuropO 14º Plano Quinquenal destacou a importância da redução das emissões de carbono, porém não se deve menosprezar outros dois elementos fundamentais do Plano: a inovação e a autossuficiência de recursos.
Em relação à inovação, os carros elétricos atendem à ambição chinesa de se posicionar como um centro de excelência tecnológica e a montadora BYD tem feito um trabalho fenomenal nesse aspecto, competindo em design e qualidade com Tesla e outros concorrentes.
Já em relação à autossuficiência de matérias-primas, a China tem hoje acesso privilegiado às minas de extração dos materiais usados na produção de baterias, em especial na África. Esse acesso se contrapõe, positivamente, ao status desconfortável estrategicamente de maior importador de petróleo do mundo.
A Europa vive uma situação semelhante, já que entre os 10 maiores importadores de petróleo do mundo, temos Alemanha (3º), Holanda (6º), Itália (8º), França (9º) e Reino Unido (10º).
Além disso, há diversas montadoras europeias de classe mundial querendo exportar o conceito elétrico/híbrido a outras partes do mundo, mensagem que se alinha à liderança da agenda ecológica que o continente tenta impor há mais de uma década.
Há um verdadeiro alinhamento estratégico entre governo, sociedade, universidades e empreendedores, e um bom exemplo para se conhecer é o da empresa sueca produtora de baterias, chamada Northvolt.
Brasil precisa olhar com cautela para o etanolEnquanto China e Europa estão aproveitando suas vantagens comparativas, no Brasil nos esquecemos de algo que conquistamos há muitos anos: os motores a etanol, que, acredito, deveriam ser a âncora da nossa política nacional automotiva. Destaco quatro razões para isso:
1. Avaliação do Ciclo de Vida: a "ACV" do carro a etanol, a qual engloba todo o processo -- da extração de matéria-prima ao potencial de reciclagem, passando pela produção e a própria eficiência no uso dos motores --, se mostrou extremamente competitiva em relação ao carro elétrico.
2. Infraestrutura instalada: sem querer diminuir a importância do assunto, mas dentre tantas prioridades que o nosso país têm, implantar uma rede de cobertura nacional para carregamento de automóveis parece um despropósito quando temos tudo já desenvolvido para os carros a etanol.
Nesse sentido, o carro híbrido (elétrico/etanol) pode ser uma alternativa, com o desenvolvimento de postos de carregamento elétrico financiados pelo setor privado, seja em residências ou edifícios residenciais e corporativos.
3. Cadeia de Valor das montadoras: além dos parques industriais instalados, a rede de revendedoras das montadoras é hoje o grande centro de lucro do setor automotivo, em função das revisões dos automóveis e da venda de carros usados.
Os carros elétricos sabidamente geram menor manutenção e, portanto, tem vida mais longa entre seus compradores. É claro que o governo pode encontrar formas de estimular a compra, mas reforçando o ponto anterior, com tantas prioridades a se resolver, é aqui que vamos colocar nossos impostos?
4. Autossuficiência estratégica renovável: dominamos toda a cadeia de produção do etanol, sendo o maior produtor global a partir da cana-de-açúcar, apenas atrás dos Estados Unidos se considerarmos o milho como fonte. No que pese ser uma forma de extrativismo vegetal, seu potencial de renovação é maior que o das minas de lítio, cobalto e afins.
Em resumo, acredito que o carro elétrico terá seus adeptos, em especial na população urbana de alta renda, por uma questão de "status verde", que supera puramente o interesse ecológico.
Além disso, esses proprietários poderão desenvolver uma rede de carregamento própria e tem recursos para pagar o preço (ainda) mais alto dos elétricos.
Para a maior parte da população, uma política que favoreça ainda mais o etanol em relação à gasolina, já traria ganhos ecológicos relevantes, com baixo nível de investimento do poder público e das montadoras.
Esse parece ser o foco correto no momento, mas não descarto o estímulo à produção do híbrido etanol/bateria, com foco em transporte público de grandes centros. O fato de estar em uma área geográfica restrita e dentro da esfera do poder público, pode levar a parcerias público-privadas que justifiquem os investimentos nessa solução.
fonte: Udop, escrita por Felipe Mendes (com informações do Portal Exame)