Com juros do cheque especial e cartão limitados a 30%, economia pode passar de R$ 500 em um mês
07/08/2020 - 08:30h
Imagem: Rawpixel, de envatoelements
Nesta quinta-feira (6), o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL 1166/20) que limita as taxas de juros do cheque especial e do cartão de crédito rotativo a 30% ao ano durante a pandemia, para dívidas contraídas entre março e dezembro de 2020. No caso das fintechs, as startups focadas em finanças, a taxa em ambas as modalidades pode chegar a 35% ao ano.
A proposta sugere que a medida vigore enquanto o país estiver no chamado estado de calamidade pública, que vai até 31 de dezembro deste ano.
Mas os senadores também aprovaram o destaque que determina que o Banco Central e o Ministério da Economia regulamentem o limite dos juros do cartão de crédito após o fim do estado de calamidade.
O texto agora segue para tramitação na Câmara dos Deputados, e, se aprovado sem alterações, será encaminhado para sanção presidencial. Caso haja modificações, o projeto retorna à casa de origem, que decide se mantém a versão original ou incorpora as sugestões dos deputados.
As taxas de juros do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito estão entre as mais altas praticadas hoje pelo sistema financeiro. Ainda assim, como são linhas que costumam ter limites pré-aprovados e funcionar de forma automática, são empréstimos contraídos com frequência pelos brasileiros.
Segundo dados do Banco Central (BC), em junho a taxa de juros média total cobrada pelos bancos no rotativo ficou em 300,3% ao ano, ou 12,2% ao mês. Via de regra, o consumidor entra automaticamente no rotativo quando não faz o pagamento integral da fatura de cartão de crédito no vencimento, rolando a dívida para o mês seguinte.
Na prática, o consumidor pode pagar o valor mínimo da fatura, que configura a modalidade chamada “regular”, ou não efetuar pagamento algum, ficando inadimplente, e se enquadrando na categoria “não regular”. No segundo caso, a taxa cobrada é ainda maior.
Em 2017 foi estabelecido um limite de uso de 30 dias para o rotativo a fim de evitar que as pessoas rolassem a dívida mês a mês aumentado o débito total e levando o consumidor à inadimplência. Portanto, passado o período de 30 dias, os bancos precisam direcionar os clientes para outras linhas de empréstimo pessoal.
Se o PL em discussão for aprovado, o teto de 30% ao ano (ou 2,2% ao mês) na cobrança de juros poderá gerar uma economia significativa no bolso do consumidor que precisar tomar crédito em meio à crise causada pela pandemia.
Para ilustrar os efeitos que a redução pode ter, o InfoMoney fez a simulação abaixo. Como parâmetro, foi considerada uma dívida de R$ 5 mil no cartão de crédito e o uso do rotativo por um mês.
Como é possível observar, com a taxa média praticada em junho, ao fim de um mês ela pagaria R$ 612 de juros no rotativo. Com a redução para 30% ao ano, o valor cairia para R$ 110 – uma economia de R$ 502, ou um valor 80% menor. Isso sem contar que para valores maiores a economia poderia ser ainda mais robusta.
Ao considerar o período de um ano – apenas para exemplificar, já que a regra não permite usar o rotativo por mais de um mês -, a diferença é ainda mais chocante. Com as taxas cobradas pelos bancos hoje, o consumidor pagaria R$ 14.886,74 de juros em 12 meses. Já com o possível limite de 30% o valor cairia para R$ 1.499,66, valor 90% menor.
Cheque especial
No caso do cheque especial, crédito que é aberto automaticamente quando a sua conta entra no negativo, em junho a taxa de juros média ficou em 110,2% ao ano, ou 6,4% ao mês, segundo dados do BC. Portanto, se a taxa de juros de até 30% ao ano for aprovada a diferença também será muito significativa no bolso do consumidor.
Considerando a mesma situação: uma pessoa que precise usar R$ 5 mil do limite do cheque especial por um mês vai pagar hoje R$ 319 de juros. Com a eventual redução do juro, pagaria R$ 110, ou 65% menos.
Considerando o período de um ano e as taxas atuais, o consumidor pagaria R$ 5.502,43 de juros. Mas com a nova taxa proposta, o valor cairia para R$ 1.499,66.
Vale lembrar que até o ano passado o juro do cheque especial era bem próximo ao do rotativo. Ele só ficou menor – ainda que continue caro – porque em janeiro deste ano entrou em vigor o novo teto, definido pelo Banco Central, que limita os juros da modalidade a 8% ao mês.
Com o novo teto, porém, o BC também passou a permitir que os bancos cobrem uma taxa de 0,25% ao mês para quem tiver limite de cheque especial superior a R$ 500 – quem tiver limite pré-aprovado menor e usar o dinheiro não paga nada. A cobrança é de 0,25% ao mês sobre o valor que ultrapassar os R$ 500 – e pode ser feita mesmo que o cliente não use o dinheiro, o que gerou polêmica por se tratar de uma cobrança sobre um serviço que não necessariamente é utilizado.
Se a pessoa utilizar o cheque especial, ela fica isenta dessa taxa e paga o juro de até 8% ao mês, equivalente a cerca de 150% ao ano.
A ideia da simulação acima foi mostrar estritamente a diferença nos juros cobrados do consumidor com a redução da taxa para até 30%, por isso os cálculos não levaram em conta a taxa adicional. Alguns bancos do país, inclusive, isentam os clientes da cobrança. Para saber mais, clique aqui.
Mesmo com a possível redução das taxas, a recomendação é evitar ambas as opções a todo custo. “O rotativo e o cheque especial são os piores tipos de crédito que existem. O ideal é nunca usar. Essas linhas são caras porque não têm garantia alguma, o que aumenta o risco do banco de não receber o valor, caso o cliente se torne inadimplente”, explica Allan Inácio, professor de finanças da PUC-PR.
Juros altos x crise
O texto do PL 116/20, de autoria do senador Álvaro Dias (PODE-PR), justifica a proposta de redução da cobrança de juros devido à crise que o país enfrenta.
“Esse endividamento no cartão de crédito e cheque especial vai criar um passivo enorme, drenar os minguados recursos das famílias brasileiras e dificultar ainda mais a retomada da atividade econômica. Os juros altos induzem a inadimplência, que por sua vez, elevam o risco e o custo da operação. Tal situação configura círculo vicioso de difícil resolução natural”, diz o PL.
Com a taxa Selic em 2% ao ano, os juros cobrados pelas instituições financeiras não são razoáveis. Uma reportagem do InfoMoney mostra por que as taxas dos empréstimos não acompanham a queda da taxa básica de juros na mesma velocidade.
Inácio, da PUC-PR, ressalta que a redução dos juros vai dar poder de compra para o consumidor neste momento. “Na prática uma lei como essa colocaria dinheiro na mão das famílias, porque reduziria o custo de crédito, que, por sua vez, estimularia o consumo. Com pessoas comprando mais, empresas produzem mais e geram mais empregos”, explica.
Na visão do professor, o PL seria uma intervenção necessária e positiva. “Ainda que a taxa de 2,21% ao mês seja baixa para os patamares brasileiros, ainda é uma das mais caras do mundo. Por aqui a concentração bancária é alta. Com menos concorrência, dificilmente as taxas vão baixar. Por isso, é interessante aplicar uma política monetária de crédito, como esta. É preciso intervir no sistema econômico com o objetivo de melhorar as condições de crédito para a população”, afirma.
Por fim, ele diz ainda é cedo para comemorar uma redução – mesmo que temporária. “O contexto de crise faz com que essa ação do governo faça sentido. Mas não acho que a aprovação é certa porque a taxa de lucratividade dos bancos vai diminuir e eles devem procurar outros meios de manter o sua margem financeira. São muitos interesses em jogo. Precisamos aguardar”, diz.
fonte: InfoMoney, escrita por Giovanna Sutto