Como Estados Unidos e Brasil enfrentam a alta da gasolina
23/06/2022 - 14:15h
Em pleno ano eleitoral, os governos do Brasil e dos Estados Unidos enfrentam um problema semelhante: os altos preços dos combustíveis, que são alimentados tanto por fatores externos quanto domésticos e vêm frustrando consumidores em ambos os países.
Enquanto Bolsonaro concorre à reeleição em outubro, Biden e seu partido se preparam para as eleições legislativas de meio de mandato, em novembro, nas quais serão redefinidos o controle da Câmara e do Senado nos Estados Unidos.
Com o preço internacional do petróleo em alta, alimentado pela guerra na Ucrânia, as sanções contra a Rússia e a retomada na demanda por energia após a fase mais aguda da pandemia, americanos e brasileiros, assim como consumidores em vários outros países, vêm pagando mais caro pela gasolina.
Depois de chegar a níveis recordes neste mês, o preço da gasolina nos Estados Unidos registrou leve queda no último domingo, 19, com média nacional de US$ 4,98 (cerca de R$ 25,56) por galão (equivalente a 3,78 litros). Na semana passada, esse valor chegou a ultrapassar US$ 5 (cerca de R$ 25,66).
O preço médio de US$ 4,98 por galão é equivalente a US$ 1,31 (cerca de R$ 6,74) por litro. Esse valor, apesar de considerado alto pelos consumidores americanos, ainda é mais baixo do que o preço pago pelos brasileiros.
Segundo dados divulgados nesta terça-feira, 21, pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o litro da gasolina em postos do Brasil chegou a até R$ 8,99 na semana passada. O menor valor registrado na pesquisa foi de R$ 6,17. O diesel chegou a R$ 8,63.
A média de preços foi de R$ 7,23 para o litro da gasolina, levemente abaixo dos R$ 7,24 na semana anterior. O preço médio do diesel passou de R$ 6,88 para R$ 6,90 no período. Esses valores ainda não refletem totalmente o reajuste anunciado pela Petrobras na sexta-feira, 17, de 5,18% no preço da gasolina vendida às distribuidoras e de 14,26% para o diesel.
Com o reajuste, o preço médio do litro de gasolina vendida pela Petrobras às distribuidoras passará de R$ 3,86 para R$ 4,06. O valor final pago pelo consumidor é mais alto, afetado por fatores como impostos e margens de lucro de outros setores da cadeia de abastecimento.
Reações
Nesse cenário, tanto o presidente brasileiro quanto o americano vêm reagindo aos aumentos nos preços. Na segunda-feira, 20, três dias após o novo reajuste, a Petrobras anunciou que seu presidente, José Mauro Coelho, renunciou ao cargo.
Coelho havia sido demitido pelo presidente Jair Bolsonaro no mês passado, em meio a pressões do governo, que é acionista majoritário da empresa, para segurar os preços dos combustíveis e não repassar a alta internacional aos consumidores finais. Mas a demissão ainda tinha de ser aprovada pelo conselho de administração da empresa.
Nos Estados Unidos, apesar do alívio temporário nesta semana, consumidores já temem nova alta até o feriadão de 4 de julho, quando o país comemora o Dia da Independência e milhões de americanos devem pegar a estrada. Alguns analistas projetam que a média poderá chegar a US$ 6 (cerca de R$ 30,78) por galão.
Os altos preços dos combustíveis contribuem para os baixos níveis de aprovação do presidente americano, em meio ao temor de recessão e inflação de 8,6% no acumulado de 12 meses até maio, nível mais alto em 40 anos.
Biden disse que, até o fim da semana, irá tomar uma decisão sobre a possibilidade de pausa temporária em um imposto federal sobre gasolina. A ideia de pausar esse imposto, de US$ 0,18 (cerca de R$ 0,94) por galão, é uma entre várias medidas avaliadas pelo governo americano, e precisaria de aprovação do Congresso.
Na semana passada, Biden criticou algumas das maiores empresas de gás e petróleo por priorizarem “margens de lucro históricas” e “agravarem a dor” dos consumidores. Ele disse que sua equipe deverá se reunir com os executivos-chefes dessas empresas e buscar “uma explicação sobre por que não estão refinando mais petróleo”.
Mas, para o economista Paolo Pasquariello, professor de finanças da Universidade de Michigan, as ações de Biden ou de Bolsonaro não devem ter muito impacto na redução dos preços dos combustíveis.
“A verdade é que políticos, em geral, não controlam preços. E particularmente não controlam o preço do petróleo, que é uma commodity global”, disse Pasquariello à BBC News Brasil. “Em países democráticos, há muito pouco que o governo possa fazer”.
Medidas
“Sabemos que este será um verão difícil (no hemisfério norte)”, resumiu no fim de semana a secretária de Energia americana, Jennifer Granholm, em entrevista à rede CNN.
Granholm salientou que uma pausa nos impostos federais, caso aprovada, afetaria verbas para projetos de infraestrutura nas estradas e não teria impacto nos fatores externos contribuindo para a alta, como problemas de fornecimento e capacidade de refino.
Outras tentativas do governo federal de estancar a alta nos preços da gasolina nos Estados Unidos tiveram efeito limitado. Em março, a Casa Branca anunciou que iria usar a reserva estratégica de petróleo do país, liberando até 1 milhão de barris por dia durante seis meses. Mas os preços continuam altos.
Vários estados americanos, como Connecticut, Flórida, Geórgia, Maryland e Nova York, também anunciaram recentemente suspensões temporárias em impostos estaduais sobre combustíveis para conter a alta nos preços. Outros, como Kentucky, adiaram reajustes de impostos que estavam previstos.
Os impostos estaduais variam muito ao redor do país, desde menos de US$ 0,10 (cerca de R$ 0,50) por galão em estados como o Alasca até quase US$ 0,60 (cerca de R$ 3) em locais como Pensilvânia ou Califórnia.
Apesar da alta nacional nos preços dos combustíveis, nem todos os estados ou cidades americanas são afetados da mesma maneira. Enquanto grandes metrópoles, como Chicago, viram o preço nas bombas chegar ao redor dos US$ 6 por galão, em algumas zonas rurais os valores são mais baixos do que a média nacional.
Calcula-se que pelo menos 17 Estados tenham preço médio acima de US$ 5 por galão. O valor mais alto é registrado na Califórnia, onde o galão de gasolina custa em média US$ 6,40.
Estima-se que o aumento médio de mais de US$ 1,90 por galão de gasolina no último ano represente gasto extra de cerca de pelo menos US$ 172 por mês para os lares americanos.
Assim como nos Estados Unidos, no Brasil o preço ao consumidor também varia de estado para estado. Enquanto na Bahia a média chegou a R$ 8,03 por litro de gasolina na semana encerrada em 18 de junho, no Amapá o preço médio ficou em R$ 6,44.
Fatores
O valor internacional do petróleo é determinado pela oferta e demanda, mas o preço final que o consumidor paga pela gasolina, o diesel e outros derivados depende de vários outros fatores ao longo da cadeia de abastecimento em cada país ou região.
Além dos preços do barril, da taxa de câmbio e dos impostos, também contribuem aspectos que vão desde processamento, distribuição, transporte e proximidade de refinarias até políticas de subsídios e regulações ambientais, entre outros.
O analista Lenny Rodriguez, gerente do setor de preços de petróleo e perspectivas regionais da S&P Global Commodity Insights, ressalta que, mesmo antes da guerra na Ucrânia, os preços internacionais do petróleo já vinham subindo.
Nos últimos meses, houve também um grande aumento na demanda, com o relaxamento das restrições geradas pela pandemia em várias partes do mundo, após avanços na vacinação.
“Este é o ano em que muitas pessoas estão pegando a estrada ou voando de novo”, diz Rodriguez à BBC News Brasil, ao ressaltar a grande demanda no setor de transportes, apesar dos altos preços dos combustíveis.
Rodriguez observa que, enquanto os padrões de demanda começam a voltar ao normal, refinarias estão tentando acompanhar, mas ainda há um desequilíbrio. Ele espera que, pelo menos até o fim do ano, os preços da gasolina e do diesel permaneçam acima da média dos últimos cinco anos.
Nos EUA, calcula-se que o preço do barril de petróleo cru responda por cerca de 60% do valor de um galão de gasolina, e que esse percentual tenha crescido desde o ano passado.
No Brasil, a Petrobras detalha em seu site os itens que compõem o preço da gasolina, ao ressaltar que “outros fatores entram no cálculo do valor” pago pelo consumidor. Segundo a Petrobras, no valor médio de R$ 7,23 pelo litro da semana encerrada em 18 de junho, R$ 2,84 (39,3%) é a parcela que fica com a empresa.
Distribuição e revenda respondem por R$ 1,00 do preço total (13,8%), o custo do etanol anidro, por R$ 0,95 (13,1%), o imposto estadual (que é o ICMS, ou Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) responde por R$ 1,75 (24,2%), e os impostos federais, por R$ 0,69 (9,5%).
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que fixa teto de 17% para o ICMS sobre energia elétrica, combustíveis, telecomunicações e transporte coletivo. O projeto deverá ser sancionado pelo presidente.
Mas analistas ressaltam que os reajustes nos preços da gasolina no Brasil estão relacionados à política de paridade de preços internacionais (PPI), adotada em 2016, pela qual a Petrobras vende às distribuidoras os derivados de petróleo, como a gasolina, seguindo os valores do mercado internacional.
Com essa política, os preços estão vinculados à cotação internacional do barril de petróleo e são afetados pela variação do dólar. Mas, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), mesmo com os últimos reajustes, os valores da gasolina no Brasil ainda estão defasados em relação ao mercado internacional.
No ranking Global Petrol Prices, que mediu o preço da gasolina em 168 países na semana encerrada no dia 13/06, o Brasil aparecia em 83º lugar, com média de US$ 1,41 (cerca de R$ 7,25), ainda antes do anúncio de reajuste da Petrobras. Os Estados Unidos ocupavam a 76ª posição.
De acordo com o levantamento, o litro mais barato naquela semana era encontrado na Venezuela, a US$ 0,02 (cerca de R$ 0,10), e o mais caro em Hong Kong, onde os consumidores pagaram US$ 2,99 (cerca de R$ 15,41).
Pasquariello acredita que, com vários bancos centrais ao redor do mundo aumentando taxas de juros para esfriar suas economias, eventualmente haverá uma queda na demanda por petróleo. “Não pelos motivos que gostaríamos, mas vai cair mesmo assim, e isso vai puxar os preços para baixo”.
Alessandra Corrêa
Fonte: novacana