Não se esperava dos EUA valor tão baixo para o Fundo Amazônia
13/02/2023 - 11:59h
Além do apoio financeiro, país poderia fiscalizar em seu próprio território produtos provenientes da destruição da floresta.
Não é de hoje que é esperada alguma colaboração americana com a proteção da Amazônia, visto que o presidente Joe Biden pôs o combate à emergência climática como um de seus principais objetivos de governo.
Ainda em setembro de 2020, quando era candidato à presidência dos Estados Unidos, Biden disse, em debate com Donald Trump, que a Amazônia estava sendo destruída e que ele faria uma mobilização mundial para arrecadar US$ 20 bilhões para auxiliar na proteção do bioma e parar a destruição da floresta.
Não houve nem sombra dessa movimentação durante a gestão Bolsonaro, provavelmente pelo fato de que não houve nenhuma contrapartida por parte do ex-presidente brasileiro, nem mesmo uma sinalização de que ele pretendia combater o desmatamento ou as queimadas. Muito pelo contrário.
Mas Ricardo Salles, ex-ministro do meio ambiente, mesmo depois de ironizar e desdenhar a fala de Biden, fez uma série de esforços para conseguir algum repasse. Após o debate nos EUA, Salles chegou a postar no Twitter: "Só uma pergunta: a ajuda dos USD 20 bi do Biden é por ano?". Já no ano seguinte, porém, após a vitória do democrata, começou a negociar recursos, inclusive em reuniões com John Kerry, enviado especial dos Estados Unidos para o clima.
O problema é que o pedido soava basicamente como uma chantagem. Um pouco antes de deixar o cargo por suspeita de favorecer madeireiros, Salles dizia aos americanos que poderia reduzir o desmatamento da Amazônia em 40% se os EUA fizessem um aporte de US$ 1 bilhão.
Os EUA não caíram na conversa, como era de se esperar. Como acreditar nas intenções de um governo que só fazia o desmatamento crescer e que tinha paralisado justamente o fundo que já trazia ajuda de outras nações para o combate ao desmatamento?
Enquanto Salles passava o chapéu para os americanos, o Fundo Amazônia quedava paralisado. Cerca de R$ 3 bilhões que já haviam sido repassados anteriormente por Noruega e Alemanha desde o início da operação do fundo, em 2009, simplesmente deixaram de ser usados por idiossincrasias de Salles e Bolsonaro.
Em uma de suas primeiras ações como ministro, Salles levantou suspeitas sobre a aplicação do fundo –sem nunca apresentar nenhuma prova— e desmontou os mecanismos de governança. Noruega e Alemanha reagiram e suspenderam novos repasses. Era só o início do desmonte ambiental. O ex-presidente entregou o país com um nível de destruição da floresta 60% superior ao que ele encontrou quando assumiu.
Tampouco era de se esperar que agora, quando enfim haverá um apoio americano, viria um valor tão baixo. Conforme os colegas Patrícia Campos Mello e Thiago Amâncio apuraram, serão repassados apenas US$ 50 milhões.
O valor nem chegou a ser anunciado oficialmente. O comunicado conjunto divulgado pelo governo brasileiro diz apenas: "Os Estados Unidos anunciaram sua intenção de trabalhar com o Congresso para fornecer recursos para programas de proteção e conservação da Amazônia brasileira, incluindo apoio inicial ao Fundo Amazônia, e para alavancar investimentos nessa região muito importante".
Tão logo Lula foi reeleito e viajou para a Conferência do Clima da ONU, no Egito —onde assumiu o mesmo compromisso, dito nesta sexta a Biden, de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030—, John Kerry se reuniu lá com Marina Silva. Ela ainda nem havia sido indicada ao Ministério do Meio Ambiente, mas já se movimentava em prol de turbinar o Fundo Amazônia com novos doadores.
Não é à toa. A busca não é só por recursos externos, mas por um compromisso dos países que ao mesmo tempo avalize a capacidade do governo Lula de controlar o desmatamento. O Fundo Amazônia representa isso. Entre 2004 e 2012, os governos Lula 1 e 2 e Dilma 1 reduziram em 80% a devastação da floresta. Foi com base nesses resultados que o fundo foi criado, remunerando o país pelos desempenhos obtidos.
"Nos últimos anos, a Amazônia foi invadida pela irracionalidade política, pela irracionalidade humana, porque tivemos um presidente que mandava desmatar. Mandava garimpar em áreas indígenas. E eu assumi um compromisso de até 2030 vamos chegar ao desmatamento zero na Amazônia", disse Lula nesta sexta a Biden. O americano fez figas com os dedos ao ouvir a promessa.
Ele sabe que Lula tem condições de cumprir o compromisso. Aderir ao fundo seria seu voto de confiança. Mas os Estados Unidos poderiam fazer muito mais. Fiscalizando, por exemplo, em seu próprio território produtos provenientes da destruição da floresta, como madeira, ouro e outros minérios.
Poderia pressionar os traders de soja e grandes frigoríficos a rastrearem toda a cadeia dos grãos e da carne para garantir que eles não foram cultivados e criados em áreas desmatadas. Dificultando, assim, a própria existência de mercado que impulsiona a destruição. E poderia investir em pesquisas para buscar alternativas de desenvolvimento sustentável para a região.
Biden sabe que Lula tem razão em mais uma fala: "Cuidar da Amazônia hoje é cuidar do planeta Terra". E se a Amazônia sucumbir, não há plano de energia limpa que vai ser suficiente para nos livrar das mudanças climáticas. Que esses US$ 50 milhões sejam só, mesmo, o "apoio inicial" (Folha de S.Paulo, 11/2/23)