Por que, como e quando vamos avançar na retomada verde no Brasil?
04/10/2022 - 16:04h
Ao avançar na agenda de sustentabilidade, o país poderia assumir um papel protagonista na economia circular.
Em várias colunas deste ano, falamos da necessidade de o Brasil impulsionar a agenda da retomada verde no país, isto é, recorrer a políticas públicas e privadas com o objetivo de alinhar o crescimento econômico à justiça social e à manutenção dos recursos e serviços ecossistêmicos.
Considerando o cenário político atual, há uma grande oportunidade para o país iniciar esse diálogo. Por isso, no artigo de hoje vamos responder a três perguntas importantes: por que, como e quando vamos avançar na agenda da retomada verde no Brasil?
POR QUÊ?
O Brasil tem um grande patrimônio natural: é dono da maior floresta tropical e da maior reserva de água doce do mundo, além de ter a maior reserva de biodiversidade, com mais de 116 mil espécies animais e 46 mil espécies vegetais documentadas. Por isso, ao avançar na agenda verde, o país poderia assumir um papel protagonista no avanço de economia circular, sustentável e socialmente alinhada.
No entanto, hoje o Brasil ocupa a oitava posição entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo. A maior parte dessas emissões vem do desmatamento e de mudanças do uso da terra. Assim, o país tem aparecido mundialmente como um grande "vilão do clima" e, com isso, vem uma pressão forte para que implemente iniciativas que contribuam para a mitigação climática. Para que isso ocorra, é necessário que o governo crie os instrumentos que incentivem a transição para uma economia de baixo carbono. Um grande pilar para isso é justamente a concretização da retomada verde.
Por ser um país tropical, o Brasil pode ser um dos territórios mais afetados pelas mudanças climáticas. Por isso, discutir adaptação climática será crucial para o funcionamento da sociedade e da economia brasileiras no futuro. A ideia de retomada verde já traria esses debates de forma mais concreta para a política brasileira.
Em outros textos abordamos os inúmeros benefícios que o Brasil teria em integrar serviços ecossistêmicos em políticas nacionais, principalmente a grande geração de emprego e renda prevista caso o Brasil fizesse esse empurrão para a sustentabilidade.
COMO?
Criar os mecanismos que facilitem a retomada verde não vai ser uma tarefa fácil. Porém, o sucesso de iniciativas implementadas em outros países nos dá algumas pistas de como isso poderia ser feito. Durante os últimos meses, Arq.Futuro, BE? Editora, IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), a plataforma Por Quê? – Economês em bom português (que assina esta coluna) e o Insper, com apoio do Itaú Unibanco, promoveram uma série de seminários chamada "Retomada Econômica Verde", nos quais foram discutidos diferentes elementos da agenda verde colocada em prática na França, no Chile, na China e nos Estados Unidos.
O primeiro ponto discutido nos seminários, comum a várias das experiências, foi a participação de representantes da sociedade como atores catalisadores das mudanças. Na França, houve o estabelecimento da Convenção do Clima, assembleia com diferentes cidadãos para facilitar o diálogo sobre o tema.
No Chile, uma organização similar foram os Diálogos Ciudadanos, uma série de conversas e consultas com a sociedade civil em diferentes províncias do país sobre a agenda climática. Entre os benefícios de envolver a população como um agente diretamente incluído na agenda da retoma verde, podemos listar: o aumento da conscientização social sobre os riscos e estratégias relacionados, o aumento da responsabilidade corporativa pela maior cobrança dos consumidores e a maior difusão de informações sobre mudanças de políticas, leis e regulamentos na sociedade.
Tudo isso contribui para uma transição para uma economia de baixo carbono que seja justa e democrática, além de facilitar a difusão e a absorção das soluções alternativas de mercado para problemas ambientais.
A experiência internacional sugere que mais adiante será necessário repensar a cadeia de produção com cuidado, integrando diversos setores. Na China, vemos o desenvolvimento de planos específicos para essa transição, principalmente no que diz respeito a hidrogênio, aço, cimento e transporte.
Na França, o caráter setorial da retomada verde ficou bem evidente, com uma ação integradora e intersetorial nas políticas públicas implementadas. No Chile podemos observar também a participação multissetorial na elaboração das políticas, que foram pensadas para buscar oportunidades na intersecção entre os diversos setores da economia.
Finalmente, é nítido o papel que precisará ser desempenhado por investimentos em ciência/tecnologia e a criação dos instrumentos econômicos necessários para que essa Retomada Verde se concretize. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi aprovada recentemente a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act/IRA), que prevê cerca de US$ 369 bilhões para a transição da economia para a neutralidade de carbono, representando o maior plano nacional de ação climática da história. Falamos um pouco dos impactos desse orçamento em um dos últimos textos desta coluna.
QUANDO?
Quando vamos conseguir ter uma retomada verde é uma pergunta sem resposta ainda. Em outros artigos para esta coluna, comentamos que, ao menos no setor privado, há uma demanda para integração brasileira nos mercados que estão surgindo. No entanto, ainda faltam muitas políticas públicas que facilitem essa transição.
Será muito importante conciliar medidas de comando e controle com os instrumentos de mercado para garantir o desenvolvimento sustentável. No governo Bolsonaro, isso estava longe de ser uma prioridade. Resta prestar atenção no que ocorrerá no segundo turno e em como o tema vai aparecer no próximo governo, mas há razão para otimismo (Luiza Martins Karpavicius Economista formada pela FEA-USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca
Economista formada pela FEA-USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca; Folha de S.Paulo, 4/10/22)