Propostas de Lula e Bolsonaro para Petrobras divergem além do preço do combustível
14/10/2022 - 11:05h
Em um momento de alta do preço do barril de petróleo e em meio às discussões sobre a transição energética, a visão para o futuro da Petrobras tem diferenças significativas nos planos das candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). As divergências vão desde o tamanho da estatal, visão estratégica de refino e produção de óleo até a ampliação da atuação da empresa para o setor elétrico, além da política de preços dos combustíveis.
A campanha petista ao Palácio do Planalto fala em interromper ao menos temporariamente a venda de ativos como refinarias, ampliar a capacidade de produção de derivados, fazer parcerias com o setor privado para ampliar a atuação da estatal e transformar a companhia em uma empresa de energia, não só de petróleo.
Já assessores de Bolsonaro defendem manter a venda de ativos e falam até em uma possível privatização, embora não haja nenhum modelo concreto proposto. Nos dois casos, há críticas à política de preços da estatal, que equipara os valores do mercado doméstico ao dólar e ao custo do barril de petróleo.
O PT tem um plano para mudar essa política de preços, enquanto a equipe de Bolsonaro não diz exatamente o que pretende fazer com os preços da estatal – porém, critica nos bastidores a atual forma de reajuste.
No atual governo, que defendia os preços livres no setor, o presidente mudou o comando da estatal por três vezes nos últimos dois anos justamente por não concordar com os aumentos da gasolina e diesel. Depois de Roberto Castello Branco, Joaquim Silva e Luna e José Mauro Ferreira Coelho terem sido demitidos, Bolsonaro escalou para o comando da estatal Caio Paes de Andrade, que assumiu a empresa no fim de junho.
A partir do mês seguinte, começaram “reduções em série nos preços”, nas palavras de uma fonte do setor.
“Próxima do consumidor”
Às vésperas do segundo turno, o governo tem pressionado a petroleira a segurar reajustes. Por ora, segundo fontes, o aumento de preços é hipótese “descartada” pelo governo e por aliados na estatal. O presidente fez diversas críticas públicas à gestão da companhia, tentando aprovar nomes para sua diretoria que não foram aceitos nem pela área de compliance da estatal.
Na empresa, a área técnica tem acompanhado os preços internacionais em alta após o corte de produção anunciado pela Opep+, cartel que reúne os maiores produtores do mundo.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), um dos responsáveis pelo setor energético na campanha de Lula, afirma ser necessário que a Petrobras tenha uma visão de longo prazo. Ele cita a possibilidade de a empresa passar a produzir energia eólica no mar, chamada de offshore, diante da expertise da empresa nos oceanos.
Prates descarta qualquer reestatização em um eventual governo Lula e defende que a empresa fique mais “próxima” do consumidor final. Na lista de ativos que a Petrobras vendeu está a BR Distribuidora, que mudou o nome para Vibra, além de refinarias e campos de exploração. Ele defende que a empresa forme parcerias, mesmo minoritárias, para explorar áreas como a Margem Equatorial.
“Não vamos retomar nada à força, nem recomprar exatamente o que se tinha. A Petrobras tem que estar em contato com o consumidor final, ela não pode estar levitando sem pés”, afirma. “É preciso resgatar uma visão de futuro da Petrobras. A empresa virou uma ordenhadeira de pré-sal, não fala em energia renovável, em transição energética, em hidrogênio verde, em aprimorar sua petroquímica e biocombustíveis”.
Prates afirma que, caso Lula vença as eleições, seria natural uma reavaliação sobre a venda de ativos, o que poderia significar uma mudança na lista de empreendimentos à venda.
Parque de refino
A política de alienação de ativos que não são ligados ao negócio central da empresa e o foco na exploração e produção de petróleo ajudaram a Petrobras a reduzir sua dívida, colocando-a em patamares próximos aos de seus pares. Segundo Prates, um ou outro ativo pode ser vendido, embora esta não seja a proposta do PT para a empresa.
O senador ainda defende a ampliação do parque de refino, mas sem necessariamente construir novas unidades. Poderia haver aumento de capacidade de produção e upgrade nas refinarias atuais. Ele propõe a criação de uma espécie de “preço de referência” para a Petrobras e demais petroleiras, a partir do qual seria definido o preço dos combustíveis.
Esse valor poderia considerar, por exemplo, componentes de combustível, margens de refino, distribuição e margens de revenda.
O governo Bolsonaro, por sua vez, pretende manter a venda de ativos da empresa, como refinarias, se reeleito. Foi durante a atual gestão que a companhia começou o processo de venda do parque de refino, visando a aumentar a concorrência no mercado. Também foi o governo Bolsonaro que vendeu a BR Distribuidora. A equipe quer manter o foco na exploração e produção de petróleo, como hoje é a Petrobras, e não tem planos públicos voltados para energia renovável.
Nos bastidores, aliados de Bolsonaro defendem rever a política de preços da empresa, mas não apresentaram nada para o seu lugar. O tema política de preços tem causado nervosismo diante da pressão constante e da falta de rumo concreto para o novo plano de negócios da estatal, que deve ser apresentado no fim de novembro e está “praticamente parado”, de acordo com fontes.
Para o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), David Zylbersztajn, tanto Lula como Bolsonaro buscam limitar o repasse da flutuação nas cotações do barril para os preços de gasolina e diesel. Mas segurar preços, avalia, é fator que restringe a atração de investimentos privados, dificultando a criação de um mercado privado efetivo no setor de óleo e gás.
“Todos reclamam quando o preço sobe e não falam nada quando o preço cai. Quando as cotações internacionais recuam, as reduções nos preços são quase diárias. E isso não ocorre nos movimentos de alta”, diz. “Quando a Petrobras mantém seus preços abaixo dos do mercado, está praticando dumping. Se mantém preço elevado, perde mercado e prejudica acionistas. Por isso não é factível outra solução que não a da paridade internacional. Com os dois candidatos, não temos clareza sobre uma série de coisas. Campanha e realidade são coisas distintas”.
Projeto de privatização
Para Cleveland Prates, da Fundação Getulio Vargas (FGV), no próximo ano, independentemente de quem assumir o posto, a companhia poderá ser usada como mecanismo para ajudar na inflação. “Tanto Lula como Bolsonaro tendem a ter a ideia de tentar segurar o preço do combustível para segurar a inflação. E isso é péssimo”, avalia.
O governo já tem pronto um projeto para privatizar a empresa, que precisa ser enviado ao Congresso e aprovado por deputados e senadores para seguir adiante. Por outro lado, não divulgou qualquer detalhe sobre esse planejamento, e o próprio presidente reconhece que esse processo levaria pelo menos quatro anos.
Procurado para falar dos planos no caso de reeleição, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, disse que preferia não comentar.
Um analista do setor, que não quis se identificar, destacou ainda que o papel da Petrobras precisa ser integrado ao cenário de energia como um todo, levando em conta a forma como a estatal vai participar do avanço das fontes renováveis e se vai investir na área nos próximos anos.
Para esse especialista, que trabalhou com o governo atual, não existe essa indicação. Por isso, a empresa vem hoje investindo em projetos “secundários”, de baixa emissão de carbono.
Marcelo de Assis, chefe do departamento de pesquisa em exploração e produção da consultoria Wood Mackenzie, diz que até agora não houve debates aprofundados sobre o futuro da estatal: “Paira a incerteza sobre como ficará o setor de petróleo na área de exploração e produção, refino, varejo e transição energética”.
Manoel Ventura e Bruno Rosa