Quem paga pela queda de preço dos combustíveis no Brasil
02/08/2022 - 09:19h
Decisões do Supremo buscam compensar estados por queda do ICMS após mudanças aprovadas no Congresso; redução do imposto tira verba da saúde e da educação, segundo disse economista ao Nexo
Decisões liminares do Supremo Tribunal Federal tomadas no final de julho de 2022 determinaram que o governo federal deverá compensar quatro estados por perdas de arrecadação ligadas à redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os estados beneficiados – Alagoas, Maranhão, Piauí e São Paulo – terão os pagamentos de dívida (sobretudo à União) reduzidos ou suspensos.
O ICMS dos estados foi padronizado na faixa de 17% a 18% para combustíveis, transporte público, energia elétrica e serviços de comunicação – antes, a cobrança sobre alguns desses produtos, superava 30% em alguns estados. A medida aprovada pelo Congresso, atendeu a uma tentativa do governo Jair Bolsonaro de reduzir o preço dos combustíveis.
Os preços nas bombas dos postos de fato caíram, mas a arrecadação dos estados caiu junto, razão pela qual eles estão recorrendo agora ao Supremo para buscar compensações.
Neste texto, o Nexo explica as decisões do Supremo e as disputas em torno do ICMS. Também conversa com a economista Juliana Damasceno, que afirma que a redução do imposto coloca em risco o financiamento de políticas públicas em saúde e educação.
Teto para o ICMS
O ICMS é o principal tributo estadual. Na crise dos combustíveis iniciada em 2021, Bolsonaro culpou governadores e o imposto pela alta de preços. Essa tese foi amplamente rejeitada por economistas, já que não houve aumentos no imposto nesse período.
O entendimento é que os combustíveis subiram principalmente porque o preço internacional do petróleo ficou mais alto. O real desvalorizado frente ao dólar acentuou o aumento no Brasil. A Petrobras manteve a política de repassar esses movimentos aos preços nas refinarias. Ainda assim, Bolsonaro articulou junto ao Congresso medidas para mudar o ICMS.
O Congresso aprovou em junho uma lei que coloca um teto no ICMS cobrado pelos estados sobre combustíveis, conta de luz e serviços de comunicação e transporte público. Na prática, o texto força os estados a reduzirem o imposto para a faixa de 17% a 18%.
Antes, alguns estados cobravam ICMS de mais de 30% sobre a gasolina, por exemplo. A lei foi sancionada por Bolsonaro em 23 de junho, com vetos.
Efeitos da redução do imposto
Em julho, os preços de combustíveis registraram queda no Brasil. Entre a semana encerrada em 25 de junho e a semana encerrada em 30 de julho, gasolina e etanol tiveram recuos significativos. Diesel e gás de cozinha, por sua vez, diminuíram marginalmente.
Economistas ouvidos pelo Nexo em 26 de julho de 2022 afirmaram que a redução do ICMS foi o principal motivo por trás do alívio nos combustíveis em julho. Outro fator que contribuiu foi a menor pressão sobre os mercados internacionais de petróleo, que permitiu em julho duas reduções da gasolina nas refinarias pela Petrobras.
A gasolina, inclusive, sofreu o maior impacto com a adoção do teto do ICMS. Isso porque as taxas cobradas pelos estados eram maiores que no caso de diesel e gás de cozinha, por exemplo.
O debate sobre compensações
No texto original que definiu o teto do ICMS, os parlamentares haviam aprovado mecanismos de compensação aos estados pelas receitas perdidas com a medida.
Bolsonaro vetou parte dos mecanismos de ressarcimento aos estados. A justificativa principal dizia que “foi observada melhora significativa na situação fiscal de estados e municípios, especialmente em decorrência do crescimento da arrecadação de ICMS”. Ou seja, como os combustíveis e outros produtos estavam mais caros, os governos estaduais estavam arrecadando mais, e não precisariam dessas compensações.
O principal veto ocorreu no trecho que visava proteger os recursos dos estados que iriam para saúde e educação. Parte dos vetos, no entanto, foi derrubada pelo Congresso Nacional. Com isso, dois pontos presentes no texto original da lei de junho passaram a valer.
O primeiro diz que os estados que estão endividados e terão perdas de ao menos 5% das receitas com ICMS em 2022 (na comparação com 2021) poderão ser compensados com o abatimento de parcelas das dívidas com a União.
O segundo determina que os estados sem dívidas também poderão ser ressarcidos pelas perdas por meio do repasse de receitas provenientes da chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais.
O veto sobre os recursos de educação e saúde ainda não foi analisado pelo Congresso. Ele deverá ser tratado a partir de agosto, com a volta do recesso parlamentar.
As ações na Justiça
Independentemente da queda dos vetos, estados entraram em julho de 2022 com ações no Supremo sob o argumento de que não iriam conseguir pagar dívidas próximas do vencimento – sobretudo (mas não somente) com a União – por causa da queda de receita, decorrente do teto do ICMS.
Alagoas, Maranhão, Piauí e São Paulo tiveram decisões favoráveis nos últimos dias de julho. Essas determinações do Supremo, na prática, determinam compensações da União aos estados, na forma de cobrança de pagamentos menores (ou suspensos) de dívida.
Segundo o jornal O Globo, ações semelhantes devem ser protocoladas por ao menos outros nove estados. Na decisão relativa ao caso do Maranhão, o ministro Alexandre de Moraes disse que as perdas dos estados com o teto do ICMS foram definidas pelo governo federal “de forma unilateral, sem consulta aos estados”.
Além disso, o ministro disse que as mudanças levam a “um profundo desequilíbrio na conta dos entes da federação, tornando excessivamente oneroso, ao menos nesse estágio, o cumprimento das obrigações contraídas nos contratos de financiamento que compõem a dívida pública dos entes subnacionais”. Ou seja, as perdas de receita inviabilizam o pagamento de dívidas, o que justifica a compensação imediata na forma de suspensão ou redução dos pagamentos de dívidas.
O governo Bolsonaro protesta contra as decisões do Supremo. Ele entende que a compensação aos estados não deve acontecer em 2022, mas somente em 2023. O argumento é que a lei determina que as compensações só deverão ser feitas aos estados com ao menos 5% de queda nas receitas do ICMS. E, segundo o governo, só será possível calcular se houve essa queda após o final do ano. Por isso, ele entende que os estados não devem ser compensados de imediato pelas perdas.
O peso e futuro do ICMS
O ICMS é a mais importante fonte de arrecadação tributária dos estados (que não leva em conta as transferências do governo federal). A cada R$ 6 que entra nos cofres estaduais com tributos, R$ 5 são referentes a esse imposto. O dado é do Conselho Nacional de Política Fazendária, ligado ao Ministério da Economia.
Parte das receitas dos estados com o ICMS é repassada aos municípios. Por isso, prefeitos também chegaram a organizar protestos contra as mudanças sobre o imposto.
As receitas tributárias dos estados de fato cresceram em 2021 na comparação com 2020, conforme apontou o governo federal. Elas foram de R$ 612 bilhões para cerca de R$ 759 bilhões – um aumento de 24%, acima da inflação de cerca de 10% do país. A receita com o ICMS subiu praticamente na mesma proporção.
Mas isso não significa que essa alta será permanente. Ao Nexo, a economista Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, disse que esse aumento das receitas foi favorecido pela inflação, já que preços mais altos significam mais dinheiro sendo recolhido pelo governo estadual a cada produto vendido.
“A gente tem um vigor muito grande por trás da nossa arrecadação estadual, que não necessariamente vai se manter para os próximos anos”, afirmou a economista. Ela disse, aliás, que o argumento do governo ao vetar trechos da lei do teto do ICMS – de que a compensação não seria necessária porque os cofres dos estados estão em boas condições – é falho. “O argumento do governo pressupõe que esse ganho de arrecadação é estrutural, mas a gente não tem como garantir isso”, afirmou.
A importância do ICMS para saúde e educação
O dinheiro que entra via ICMS é importante para os estados conseguirem executar políticas públicas, incluindo aquelas em saúde e educação. No Brasil, estados e municípios são os principais responsáveis pelos serviços nessas duas áreas.
“O governo federal impôs que essa arrecadação [dos estados] vai necessariamente ser menor por conta dessa nova alíquota. Ele está, de certa forma, esvaziando o cofre que bancaria esses gastos [com saúde e educação]”, disse Damasceno ao Nexo.
A economista também criticou a forma como essas medidas foram tomadas: “Isso tudo é resultado de uma decisão que veio de cima para baixo, da União tentando fazer bondade com chapéu alheio”. Na visão de Damasceno, mesmo que a discussão sobre a tributação de bens como combustíveis e energia elétrica seja válida, a forma como o governo Bolsonaro conduziu essas alterações não foi ideal.
“Precisamos questionar: como que se alterou a principal fonte custeio dessas duas grandes áreas [saúde e educação], mexendo de forma tão permanente e de forma tão brusca?”, disse a economista da Tendências Consultoria.
Marcelo Roubicek
Decisões liminares do Supremo Tribunal Federal tomadas no final de julho de 2022 determinaram que o governo federal deverá compensar quatro estados por perdas de arrecadação ligadas à redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os estados beneficiados – Alagoas, Maranhão, Piauí e São Paulo – terão os pagamentos de dívida (sobretudo à União) reduzidos ou suspensos.O ICMS dos estados foi padronizado na faixa de 17% a 18% para combustíveis, transporte público, energia elétrica e serviços de comunicação – antes, a cobrança sobre alguns desses produtos, superava 30% em alguns estados. A medida aprovada pelo Congresso, atendeu a uma tentativa do governo Jair Bolsonaro de reduzir o preço dos combustíveis.
Os preços nas bombas dos postos de fato caíram, mas a arrecadação dos estados caiu junto, razão pela qual eles estão recorrendo agora ao Supremo para buscar compensações.
Neste texto, o Nexo explica as decisões do Supremo e as disputas em torno do ICMS. Também conversa com a economista Juliana Damasceno, que afirma que a redução do imposto coloca em risco o financiamento de políticas públicas em saúde e educação.
Teto para o ICMSO ICMS é o principal tributo estadual. Na crise dos combustíveis iniciada em 2021, Bolsonaro culpou governadores e o imposto pela alta de preços. Essa tese foi amplamente rejeitada por economistas, já que não houve aumentos no imposto nesse período.
O entendimento é que os combustíveis subiram principalmente porque o preço internacional do petróleo ficou mais alto. O real desvalorizado frente ao dólar acentuou o aumento no Brasil. A Petrobras manteve a política de repassar esses movimentos aos preços nas refinarias. Ainda assim, Bolsonaro articulou junto ao Congresso medidas para mudar o ICMS.
O Congresso aprovou em junho uma lei que coloca um teto no ICMS cobrado pelos estados sobre combustíveis, conta de luz e serviços de comunicação e transporte público. Na prática, o texto força os estados a reduzirem o imposto para a faixa de 17% a 18%.
Antes, alguns estados cobravam ICMS de mais de 30% sobre a gasolina, por exemplo. A lei foi sancionada por Bolsonaro em 23 de junho, com vetos.
Efeitos da redução do imposto
Em julho, os preços de combustíveis registraram queda no Brasil. Entre a semana encerrada em 25 de junho e a semana encerrada em 30 de julho, gasolina e etanol tiveram recuos significativos. Diesel e gás de cozinha, por sua vez, diminuíram marginalmente.
Economistas ouvidos pelo Nexo em 26 de julho de 2022 afirmaram que a redução do ICMS foi o principal motivo por trás do alívio nos combustíveis em julho. Outro fator que contribuiu foi a menor pressão sobre os mercados internacionais de petróleo, que permitiu em julho duas reduções da gasolina nas refinarias pela Petrobras.
A gasolina, inclusive, sofreu o maior impacto com a adoção do teto do ICMS. Isso porque as taxas cobradas pelos estados eram maiores que no caso de diesel e gás de cozinha, por exemplo.
O debate sobre compensaçõesNo texto original que definiu o teto do ICMS, os parlamentares haviam aprovado mecanismos de compensação aos estados pelas receitas perdidas com a medida.
Bolsonaro vetou parte dos mecanismos de ressarcimento aos estados. A justificativa principal dizia que “foi observada melhora significativa na situação fiscal de estados e municípios, especialmente em decorrência do crescimento da arrecadação de ICMS”. Ou seja, como os combustíveis e outros produtos estavam mais caros, os governos estaduais estavam arrecadando mais, e não precisariam dessas compensações.
O principal veto ocorreu no trecho que visava proteger os recursos dos estados que iriam para saúde e educação. Parte dos vetos, no entanto, foi derrubada pelo Congresso Nacional. Com isso, dois pontos presentes no texto original da lei de junho passaram a valer.
O primeiro diz que os estados que estão endividados e terão perdas de ao menos 5% das receitas com ICMS em 2022 (na comparação com 2021) poderão ser compensados com o abatimento de parcelas das dívidas com a União.
O segundo determina que os estados sem dívidas também poderão ser ressarcidos pelas perdas por meio do repasse de receitas provenientes da chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais.
O veto sobre os recursos de educação e saúde ainda não foi analisado pelo Congresso. Ele deverá ser tratado a partir de agosto, com a volta do recesso parlamentar.
As ações na JustiçaIndependentemente da queda dos vetos, estados entraram em julho de 2022 com ações no Supremo sob o argumento de que não iriam conseguir pagar dívidas próximas do vencimento – sobretudo (mas não somente) com a União – por causa da queda de receita, decorrente do teto do ICMS.
Alagoas, Maranhão, Piauí e São Paulo tiveram decisões favoráveis nos últimos dias de julho. Essas determinações do Supremo, na prática, determinam compensações da União aos estados, na forma de cobrança de pagamentos menores (ou suspensos) de dívida.
Segundo o jornal O Globo, ações semelhantes devem ser protocoladas por ao menos outros nove estados. Na decisão relativa ao caso do Maranhão, o ministro Alexandre de Moraes disse que as perdas dos estados com o teto do ICMS foram definidas pelo governo federal “de forma unilateral, sem consulta aos estados”.
Além disso, o ministro disse que as mudanças levam a “um profundo desequilíbrio na conta dos entes da federação, tornando excessivamente oneroso, ao menos nesse estágio, o cumprimento das obrigações contraídas nos contratos de financiamento que compõem a dívida pública dos entes subnacionais”. Ou seja, as perdas de receita inviabilizam o pagamento de dívidas, o que justifica a compensação imediata na forma de suspensão ou redução dos pagamentos de dívidas.
O governo Bolsonaro protesta contra as decisões do Supremo. Ele entende que a compensação aos estados não deve acontecer em 2022, mas somente em 2023. O argumento é que a lei determina que as compensações só deverão ser feitas aos estados com ao menos 5% de queda nas receitas do ICMS. E, segundo o governo, só será possível calcular se houve essa queda após o final do ano. Por isso, ele entende que os estados não devem ser compensados de imediato pelas perdas.
O peso e futuro do ICMSO ICMS é a mais importante fonte de arrecadação tributária dos estados (que não leva em conta as transferências do governo federal). A cada R$ 6 que entra nos cofres estaduais com tributos, R$ 5 são referentes a esse imposto. O dado é do Conselho Nacional de Política Fazendária, ligado ao Ministério da Economia.
Parte das receitas dos estados com o ICMS é repassada aos municípios. Por isso, prefeitos também chegaram a organizar protestos contra as mudanças sobre o imposto.
As receitas tributárias dos estados de fato cresceram em 2021 na comparação com 2020, conforme apontou o governo federal. Elas foram de R$ 612 bilhões para cerca de R$ 759 bilhões – um aumento de 24%, acima da inflação de cerca de 10% do país. A receita com o ICMS subiu praticamente na mesma proporção.
Mas isso não significa que essa alta será permanente. Ao Nexo, a economista Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, disse que esse aumento das receitas foi favorecido pela inflação, já que preços mais altos significam mais dinheiro sendo recolhido pelo governo estadual a cada produto vendido.
“A gente tem um vigor muito grande por trás da nossa arrecadação estadual, que não necessariamente vai se manter para os próximos anos”, afirmou a economista. Ela disse, aliás, que o argumento do governo ao vetar trechos da lei do teto do ICMS – de que a compensação não seria necessária porque os cofres dos estados estão em boas condições – é falho. “O argumento do governo pressupõe que esse ganho de arrecadação é estrutural, mas a gente não tem como garantir isso”, afirmou.
A importância do ICMS para saúde e educaçãoO dinheiro que entra via ICMS é importante para os estados conseguirem executar políticas públicas, incluindo aquelas em saúde e educação. No Brasil, estados e municípios são os principais responsáveis pelos serviços nessas duas áreas.
“O governo federal impôs que essa arrecadação [dos estados] vai necessariamente ser menor por conta dessa nova alíquota. Ele está, de certa forma, esvaziando o cofre que bancaria esses gastos [com saúde e educação]”, disse Damasceno ao Nexo.
A economista também criticou a forma como essas medidas foram tomadas: “Isso tudo é resultado de uma decisão que veio de cima para baixo, da União tentando fazer bondade com chapéu alheio”. Na visão de Damasceno, mesmo que a discussão sobre a tributação de bens como combustíveis e energia elétrica seja válida, a forma como o governo Bolsonaro conduziu essas alterações não foi ideal.
“Precisamos questionar: como que se alterou a principal fonte custeio dessas duas grandes áreas [saúde e educação], mexendo de forma tão permanente e de forma tão brusca?”, disse a economista da Tendências Consultoria.
Marcelo Roubicek