Sucesso econômico do país depende do meio ambiente, diz documento
16/09/2022 - 15:48h
Sem sustentabilidade ambiental e combate ao aquecimento global não há sucesso econômico e social, alertam 12 ex-ministros da fazenda e ex-presidentes do Banco Central de diferentes governos em documento, obtido com exclusividade pelo jornal O Globo, que será lançado hoje pelo movimento Convergência pelo Brasil.
A carta com sugestões aos presidenciáveis condensa em quatro propostas os caminhos que o país tem de seguir para se tornar uma economia de carbono zero na energia, mobilidade, indústria e agricultura.
Os signatários afirmam no documento que “o Brasil tem a capacidade técnica e os recursos naturais para ser vitorioso no novo ambiente econômico mundial pautado pela necessidade de evitar o aquecimento global e alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável sufragados por grande número de países”.
Eles listam as condições indispensáveis na agenda brasileira de sustentabilidade: zerar o desmatamento da Amazônia; aproveitar as vantagens comparativas “avançando para economia de carbono zero”; aumentar a capacidade do país para enfrentar os impactos do aquecimento global; e impulsionar a pesquisa e a inovação para explorar a “floresta em pé”, a bioeconomia.
“É um documento muito expressivo que mostra que esses problemas são inseparáveis. Não se pode mais pensar em fazer o ajuste fiscal, a reforma tributária, sem estar à luz de uma coisa maior, que é o desenvolvimento sustentável. Esse é um tema quase ausente dos debates; quando aparece, são generalidades”, afirma o embaixador Rubens Ricupero, que foi ministro da fazenda e do meio ambiente no governo Itamar Franco.
Biodiversidade, água e sol
Segundo Ricupero, o Brasil está em um impasse e não cresce há décadas. Diante disso, não tem ideia nova, e as ideias antigas são incompatíveis com a nova necessidade mundial de deter o aquecimento global. Para ele, o que tem de novo, a área que tem realmente um potencial, uma vantagem comparativa, é o meio ambiente:
“Temos diversidade de fontes de energia, experiência com biomassa, podemos aproveitar para chegarmos a ser um país carbono zero. A nossa contribuição negativa na emissão dos gases de efeito estufa é o desmatamento. É mais fácil acabar com o desmatamento do que acabar com uso de carvão na China e na Índia”, afirma.
O ex-ministro da fazenda Gustavo Krause, que também atuou no governo Itamar Franco e comandou a pasta de desenvolvimento e meio ambiente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, lembra que até a terra ressecada do sertão, que levou as pessoas a migrarem para fugir da seca, pode gerar riqueza.
“Temos 20% da biodiversidade do planeta, 12% da reserva da água, temos condições para fazer a transição energética para solar, eólica, biomassa. Nosso petróleo agora vem do céu: o sol. Esse pedaço de terra seco, com uma insolação que gerou tantos retirantes, tanta fome, hoje é um caminho do desenvolvimento”, afirma.
Krause chama atenção para o simbolismo da ação que une economia e meio ambiente como temas indissociáveis, ressaltando a variável ambiental como estratégica para o desenvolvimento econômico: “É vital não só para a economia como para o futuro do planeta. A adesão de ex-presidentes de BC e ministros da fazenda, de várias tendências teóricas, mostra a incorporação da questão ambiental na economia”.
Mesmo que o próximo governo não adote a questão da sustentabilidade como foco central, tanto Ricupero como Krause afirmam que a pressão da sociedade, interna e mundial, vai ser tão grande que será inevitável que o Brasil caminhe nessa direção.
Krause lembra que o grau de exigência já é muito alto para as frutas, como o melão e a manga cultivados na área de irrigação do Rio São Francisco, na Europa, China, Estados Unidos: “O governo será pressionado pelos próprios cidadãos e pela sociedade mundial. E pode ter prejuízos reais no mercado internacional”.
Assinam o documento: Affonso Celso Pastore, Arminio Fraga, Gustavo Krause, Gustavo Loyola, Henrique Meirelles, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, Paulo Haddad, Pedro Malan, Pérsio Arida, Rubens Ricupero e Zélia Cardoso de Mello.
A seguir, confira a íntegra da carta.
A importância da sustentabilidade para a economia do Brasil
A sustentabilidade ambiental é vital para o crescimento harmônico e inclusivo da economia brasileira e para alavancar as vantagens do país na corrida mundial para chegar a emissões líquidas zero de carbono, sendo a ação do Estado de forma horizontal e com adequada regulação cada vez mais relevante para a realização desse potencial.
Nós, ex-ministros(as) da fazenda e ex-presidentes do Banco Central, reafirmamos a centralidade da sustentabilidade ambiental e do combate ao aquecimento global para o sucesso econômico e social do Brasil e para a segurança mundial, a despeito dos desafios que essa agenda vem enfrentando recentemente em várias partes do globo.
Uma agenda brasileira de sustentabilidade e combate à mudança climática precisa visar o desenvolvimento econômico e social do país e incluir quatro condições:
Zerar o desmatamento da Amazônia, promovendo as condições de vida das populações locais e reforçando a ação do país nos foros globais de decisão sobre o clima.
Aproveitar as vantagens comparativas do país, avançando para a economia de carbono zero na energia, mobilidade, indústria e agricultura.
Aumentar a capacidade de enfrentar as anomalias climáticas, preparando o país para os impactos esperados do aquecimento global.
Impulsionar o financiamento à pesquisa e à inovação tecnológica que permitam alavancar as energias renováveis, a bioeconomia da floresta em pé, os biocombustíveis e o uso sustentável dos recursos naturais e humanos do país.
O custo do aquecimento global vai aumentar muito, especialmente para os países tropicais. Ele irá prejudicar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e embotar a consolidação das melhoras de padrão de vida alcançadas nas últimas décadas, inclusive no Brasil.
Diante desse risco cada vez mais presente, mais de uma centena de países, incluindo o Brasil, assumiram o compromisso de chegar a emissões líquidas zero de carbono (net zero) até 2050. Esse compromisso é crucial e deve ser acompanhado de ações para lhes dar credibilidade, incluindo metas de redução de emissões de governos e empresas para 2025 e 2030, e progresso nos mecanismos para sua sistematização, monitoramento e verificação.
O Brasil pode chegar ao net zero antes de 2050, com benefícios para a atividade econômica e o emprego. Ao contrário da maioria dos países que dependem muito de combustíveis fósseis, nosso potencial de energias renováveis permite uma eletrificação competitiva e acelerada da economia, atraindo novos investimentos para o país.
Além disso, nossa experiência com biocombustíveis permite usá-los como fonte de energia em veículos elétricos (híbridos) relativamente baratos de produzir e fáceis de abastecer, assim como competir no mercado mundial de combustíveis sustentáveis para a aviação.
A sustentabilidade e a meta de carbono zero certamente vão trazer novas oportunidades para nossos centros de tecnologia, startups e investidores. Mas, o país não terá uma economia sustentável e robusta ou chegará ao net zero enquanto houver desmatamento na Amazônia.
O desmatamento não traz crescimento econômico ou progresso social, sendo responsável por mais emissões de CO2 do que todos os setores produtivos brasileiros juntos. Ele torna as chuvas no Centro-Oeste mais incertas, com risco para a agricultura e a geração de energia hidrelétrica, e leva à perda irreversível dos habitats ancestrais das populações indígenas e tradicionais.
O desmatamento tampouco é necessário à expansão da agricultura, cuja produção aumentou fortemente em anos em que o desmatamento caiu, e cuja força está na sua produtividade cada vez maior.
Essa produtividade vem do investimento, inclusive na recuperação e conversão de pastagens degradadas, que vêm se tornando a verdadeira fronteira de expansão da nossa produção agrícola, poupando as áreas de vegetação original, inclusive no cerrado.
Sabemos também que a exploração comercial com base científica da insubstituível biodiversidade da floresta em pé é economicamente promissora e prestigia o conhecimento local. Há ainda milhões de hectares de terras degradadas que, protegidas, poderão se beneficiar da regeneração natural ou assistida da floresta, tornando-se fonte legítima de créditos de carbono de qualidade, lastreados na remoção de carbono da atmosfera e cuja negociação em mercados internacionais trará benefícios importantes a algumas das regiões mais carentes do país.
O desenvolvimento de um mercado regulado de carbono no Brasil é cada vez mais urgente, para estimular a eficiência energética e a transição para o baixo carbono, valorizando a inovação tecnológica e a competitividade da nossa economia. Regras claras e verificáveis, assim como segurança jurídica serão imprescindíveis para o funcionamento desse mercado.
O Brasil tem a capacidade técnica e os recursos naturais para ser vitorioso no novo ambiente econômico mundial pautado pela necessidade de evitar o aquecimento global e alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável sufragados por grande número de países. Essa vantagem é respaldada pelo crescente compromisso da sociedade e de inúmeras empresas no Brasil com a sustentabilidade.
Mas o sucesso do Brasil nesse ambiente dependerá, de forma crucial, da prioridade política e urgência que os próximos governos deem à agenda da sustentabilidade, do fim célere do desmatamento e das ações no rumo da economia de carbono zero.
Sem sustentabilidade ambiental e combate ao aquecimento global não há sucesso econômico e social, alertam 12 ex-ministros da fazenda e ex-presidentes do Banco Central de diferentes governos em documento, obtido com exclusividade pelo jornal O Globo, que será lançado hoje pelo movimento Convergência pelo Brasil.A carta com sugestões aos presidenciáveis condensa em quatro propostas os caminhos que o país tem de seguir para se tornar uma economia de carbono zero na energia, mobilidade, indústria e agricultura.
Os signatários afirmam no documento que “o Brasil tem a capacidade técnica e os recursos naturais para ser vitorioso no novo ambiente econômico mundial pautado pela necessidade de evitar o aquecimento global e alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável sufragados por grande número de países”.
Eles listam as condições indispensáveis na agenda brasileira de sustentabilidade: zerar o desmatamento da Amazônia; aproveitar as vantagens comparativas “avançando para economia de carbono zero”; aumentar a capacidade do país para enfrentar os impactos do aquecimento global; e impulsionar a pesquisa e a inovação para explorar a “floresta em pé”, a bioeconomia.
“É um documento muito expressivo que mostra que esses problemas são inseparáveis. Não se pode mais pensar em fazer o ajuste fiscal, a reforma tributária, sem estar à luz de uma coisa maior, que é o desenvolvimento sustentável. Esse é um tema quase ausente dos debates; quando aparece, são generalidades”, afirma o embaixador Rubens Ricupero, que foi ministro da fazenda e do meio ambiente no governo Itamar Franco.
Biodiversidade, água e solSegundo Ricupero, o Brasil está em um impasse e não cresce há décadas. Diante disso, não tem ideia nova, e as ideias antigas são incompatíveis com a nova necessidade mundial de deter o aquecimento global. Para ele, o que tem de novo, a área que tem realmente um potencial, uma vantagem comparativa, é o meio ambiente:
“Temos diversidade de fontes de energia, experiência com biomassa, podemos aproveitar para chegarmos a ser um país carbono zero. A nossa contribuição negativa na emissão dos gases de efeito estufa é o desmatamento. É mais fácil acabar com o desmatamento do que acabar com uso de carvão na China e na Índia”, afirma.
O ex-ministro da fazenda Gustavo Krause, que também atuou no governo Itamar Franco e comandou a pasta de desenvolvimento e meio ambiente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, lembra que até a terra ressecada do sertão, que levou as pessoas a migrarem para fugir da seca, pode gerar riqueza.
“Temos 20% da biodiversidade do planeta, 12% da reserva da água, temos condições para fazer a transição energética para solar, eólica, biomassa. Nosso petróleo agora vem do céu: o sol. Esse pedaço de terra seco, com uma insolação que gerou tantos retirantes, tanta fome, hoje é um caminho do desenvolvimento”, afirma.
Krause chama atenção para o simbolismo da ação que une economia e meio ambiente como temas indissociáveis, ressaltando a variável ambiental como estratégica para o desenvolvimento econômico: “É vital não só para a economia como para o futuro do planeta. A adesão de ex-presidentes de BC e ministros da fazenda, de várias tendências teóricas, mostra a incorporação da questão ambiental na economia”.
Mesmo que o próximo governo não adote a questão da sustentabilidade como foco central, tanto Ricupero como Krause afirmam que a pressão da sociedade, interna e mundial, vai ser tão grande que será inevitável que o Brasil caminhe nessa direção.
Krause lembra que o grau de exigência já é muito alto para as frutas, como o melão e a manga cultivados na área de irrigação do Rio São Francisco, na Europa, China, Estados Unidos: “O governo será pressionado pelos próprios cidadãos e pela sociedade mundial. E pode ter prejuízos reais no mercado internacional”.
Assinam o documento: Affonso Celso Pastore, Arminio Fraga, Gustavo Krause, Gustavo Loyola, Henrique Meirelles, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, Paulo Haddad, Pedro Malan, Pérsio Arida, Rubens Ricupero e Zélia Cardoso de Mello.
A seguir, confira a íntegra da carta.
A importância da sustentabilidade para a economia do Brasil
A sustentabilidade ambiental é vital para o crescimento harmônico e inclusivo da economia brasileira e para alavancar as vantagens do país na corrida mundial para chegar a emissões líquidas zero de carbono, sendo a ação do Estado de forma horizontal e com adequada regulação cada vez mais relevante para a realização desse potencial.
Nós, ex-ministros(as) da fazenda e ex-presidentes do Banco Central, reafirmamos a centralidade da sustentabilidade ambiental e do combate ao aquecimento global para o sucesso econômico e social do Brasil e para a segurança mundial, a despeito dos desafios que essa agenda vem enfrentando recentemente em várias partes do globo.
Uma agenda brasileira de sustentabilidade e combate à mudança climática precisa visar o desenvolvimento econômico e social do país e incluir quatro condições:
Zerar o desmatamento da Amazônia, promovendo as condições de vida das populações locais e reforçando a ação do país nos foros globais de decisão sobre o clima.Aproveitar as vantagens comparativas do país, avançando para a economia de carbono zero na energia, mobilidade, indústria e agricultura.Aumentar a capacidade de enfrentar as anomalias climáticas, preparando o país para os impactos esperados do aquecimento global.Impulsionar o financiamento à pesquisa e à inovação tecnológica que permitam alavancar as energias renováveis, a bioeconomia da floresta em pé, os biocombustíveis e o uso sustentável dos recursos naturais e humanos do país.O custo do aquecimento global vai aumentar muito, especialmente para os países tropicais. Ele irá prejudicar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e embotar a consolidação das melhoras de padrão de vida alcançadas nas últimas décadas, inclusive no Brasil.
Diante desse risco cada vez mais presente, mais de uma centena de países, incluindo o Brasil, assumiram o compromisso de chegar a emissões líquidas zero de carbono (net zero) até 2050. Esse compromisso é crucial e deve ser acompanhado de ações para lhes dar credibilidade, incluindo metas de redução de emissões de governos e empresas para 2025 e 2030, e progresso nos mecanismos para sua sistematização, monitoramento e verificação.
O Brasil pode chegar ao net zero antes de 2050, com benefícios para a atividade econômica e o emprego. Ao contrário da maioria dos países que dependem muito de combustíveis fósseis, nosso potencial de energias renováveis permite uma eletrificação competitiva e acelerada da economia, atraindo novos investimentos para o país.
Além disso, nossa experiência com biocombustíveis permite usá-los como fonte de energia em veículos elétricos (híbridos) relativamente baratos de produzir e fáceis de abastecer, assim como competir no mercado mundial de combustíveis sustentáveis para a aviação.
A sustentabilidade e a meta de carbono zero certamente vão trazer novas oportunidades para nossos centros de tecnologia, startups e investidores. Mas, o país não terá uma economia sustentável e robusta ou chegará ao net zero enquanto houver desmatamento na Amazônia.
O desmatamento não traz crescimento econômico ou progresso social, sendo responsável por mais emissões de CO2 do que todos os setores produtivos brasileiros juntos. Ele torna as chuvas no Centro-Oeste mais incertas, com risco para a agricultura e a geração de energia hidrelétrica, e leva à perda irreversível dos habitats ancestrais das populações indígenas e tradicionais.
O desmatamento tampouco é necessário à expansão da agricultura, cuja produção aumentou fortemente em anos em que o desmatamento caiu, e cuja força está na sua produtividade cada vez maior.
Essa produtividade vem do investimento, inclusive na recuperação e conversão de pastagens degradadas, que vêm se tornando a verdadeira fronteira de expansão da nossa produção agrícola, poupando as áreas de vegetação original, inclusive no cerrado.
Sabemos também que a exploração comercial com base científica da insubstituível biodiversidade da floresta em pé é economicamente promissora e prestigia o conhecimento local. Há ainda milhões de hectares de terras degradadas que, protegidas, poderão se beneficiar da regeneração natural ou assistida da floresta, tornando-se fonte legítima de créditos de carbono de qualidade, lastreados na remoção de carbono da atmosfera e cuja negociação em mercados internacionais trará benefícios importantes a algumas das regiões mais carentes do país.
O desenvolvimento de um mercado regulado de carbono no Brasil é cada vez mais urgente, para estimular a eficiência energética e a transição para o baixo carbono, valorizando a inovação tecnológica e a competitividade da nossa economia. Regras claras e verificáveis, assim como segurança jurídica serão imprescindíveis para o funcionamento desse mercado.
O Brasil tem a capacidade técnica e os recursos naturais para ser vitorioso no novo ambiente econômico mundial pautado pela necessidade de evitar o aquecimento global e alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável sufragados por grande número de países. Essa vantagem é respaldada pelo crescente compromisso da sociedade e de inúmeras empresas no Brasil com a sustentabilidade.
Mas o sucesso do Brasil nesse ambiente dependerá, de forma crucial, da prioridade política e urgência que os próximos governos deem à agenda da sustentabilidade, do fim célere do desmatamento e das ações no rumo da economia de carbono zero.